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Enterrados no Jardim

Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho
Enterrados no Jardim
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  • Onde era sangue é só solidão
    Continuamos... Desta vez, para não nos virarmos já para o outsourcing, indo buscar luminárias que tragam algum prestígio à coisa, mas também não querendo dar a impressão de que isto vai tudo a mata-cavalo, aqui ficam uns versos do poeta Víctor Botas para situar minimamente a conversa: "Falam da natureza, e que é bela/ – dizem sem mais razões –; eu prefiro/ falar de um caos, aziago e feroz,/ sem ordem nem plano nem outra coisa/ além deste cego acaso que nos acossa/ a golpes de cachaço." É chegada, assim, a hora de falarmos de algumas das nossas amiguinhas lá no jardim. Vamos brincar um pouco ao cinema negro com aqueles que sabem sempre reinventar-se e que, mesmo quando caem, estão tão ensinados que não ficam espapaçados nem feitos num oito, nem chegam a ser afligidos por dores menos espirituais, como o desemprego. 
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    2:26:10
  • O foco de luz no último estertor
    Ganhámos os três, e bem podem dizer que já andamos a pedi-las. Porta atrás, porta pelo corredor, metemos a cabeça nos quartos e damos um berro, desenhamos uma gaifona e esperamos cá fora, diante da serenata dos cães da vizinhança, batendo com os nós dos dedos nas paredes a chamar para virem dançar as amiguinhas, depois pisamo-las todas. Na verdade, o que mais queremos é arrepiar caminho. O Musil está para ali a resmonear que "o mundo dos que escrevem (...) está cheio de grandes palavras e conceitos que perderam a substância". Temos de refazer as nossas cidades, começar por uma mesa, uma conversa noite fora. Ganhar ânimo, retirar o mundo da sua dormência. Apalpá-lo, mexer-lhe nas partes. O Musil continua a puxar-nos a manga, quer ainda acrescentar que “hoje, numa época em que se misturam todos os discursos, em que profetas e charlatães usam as mesmas fórmulas com mínimas diferenças, cujo percurso nenhuma pessoa ocupada tem tempo de investigar, num tempo em que as redacções dos jornais são constantemente incomodadas por gente que acha que é um génio, é muito difícil ajuizar do valor de um homem ou de uma ideia. Temos de nos deixar guiar pelo ouvido para podermos perceber se os rumores, os sussurros e o raspar de pés diante da porta da redacção são suficientemente fortes para poderem ser admitidos como voz da «polis»." Uma vez que não temos já direito aos cafés, às nossas margens divagantes, façamos aqui um enredo de escutas para ver se afinamos os instrumentos, treinando o coração para os sobressaltos que se avizinham. Errata: Às tantas, Stephen Jay Gould, um biólogo evolucionista e popular escritor de divulgação científica, faz aqui um cameo, completamente a despropósito. Na verdade, o título que buscava era "O Segredo de Joe Gould", de Joseph Mitchell, editado por cá pela Dom Quixote.
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    2:37:27
  • O vaivém de Abril
    Os cravos já podem respirar de alívio. Aos que não se safaram, cumpriu pelo menos sacrificarem-se em nome desse folclórico garridismo que corta as ruas uma vez por ano antes que a vida retome o castigo e as injúrias em tons de cinzento. Estamos fadados a celebrar pela eternidade fora um futuro a que ninguém teve a decência de abrir a porta, e assim prosseguem as missas solenes e as milhentas exposições em honra dessa perpétua ausência. As comemorações, como notava António Guerreiro faz já uns anos, as oficiais e as não oficiais, as da esquerda, as do centro e as da direita, sem surpresa, provaram uma vez mais ser "completamente inócuas, politicamente anestesiadas, de um conformismo idiota que serve sem a mínima reserva a reificação do passado. Por elas, não passa nem uma ligeira brisa de pensamento. Tudo desertou, ficou apenas o palco vazio de uma ideia."  O mês mais ansiado, aquele que chegou a perfumar-nos os sonhos, veio assim a tornar-se o mais cruel, enquanto a tal democracia, quando foram ver, cutucar a mirífica criatura com a vara, pôr-lhe um espelho junto ao nariz, afinal estava defunta, e Portugal realizava-se uma vez mais como a anti-nação. Mas temos os cravos, que amanhã terão já sido varridos, e os escravos para não deixar que essa desoladora imagem deixe um gosto amargo no fim da festa.
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    2:20:12
  • ”Às vezes também lá vou pôr likes”, uma conversa com o Changuito, na Poesia Incompleta
    Neste dia do trabalhador, exigia-se que fôssemos ouvir a voz de um desses proletários que, às coisas da cultura, não deixam que falte um chão, mas também um caçador de brilhos capaz de segurar o lustro e os astros para que o céu não pareça estar a cair-nos em cima, e a fazer de todos nós uma gente atarracada. Fomos, assim, falar com o Changuito, como as ruas o conhecem – Mário Guerra, como se lerá nalgum cartório –, uma lenda já bem robusta entre aqueles que a época não tornou míopes para as ocorrências que não alinham pela bizonhice do nosso cortejo cultural, um desses mais severos e inspirados tratantes de livros que mantém aberto um porto de onde saem e partem os raros navios insurrectos nas águas cada vez mais chocas do sector livreiro. Depois de uma primeira incursão, que teve na Rua Cecílio de Sousa (Príncipe Real) essa margem para frotas de papel vindas de todo o mundo, mas também para embarcações fantasmas ou mesmo para gente tresvariada que atravessa oceanos a nadar à cão, nos últimos quatro anos persiste de porta aberta, agora no número 26 da Rua de São Ciro,  na Lapa, sendo vizinho da frente de Eduardo Catroga, e forçando quem lhe frequenta o espaço a inverter certos hábitos, quase ao ponto de ser quem sai da livraria que tem de limpar os pés, para não sujar de ânimo as ruas, que estão hoje bem mais estreitas e menos aventurosas que o espaço que ele guarda e abastece.
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    2:37:07
  • Para lá da actual guerra civil de egos, o que há? Conversa com Luhuna Carvalho
    Perante a vida desencantada, perante toda esta decadência generalizada da vida, que está na raiz da nossa desmoralização actual, todos apenas parecem buscar consolos ou formas de ajustar o cinismo para abrir espaço a ressalvas e excepções, quase sempre circunscritas ao espaço da vida mais íntima. Quanto ao mais, todos parecem ter feito as pazes com uma cultura que já em nada coincide com a vida, e que, como refere Artaud, se mostra cada vez mais uma cultura concebida antes para a tiranizar. "Depois da Lei", de Luhuna Carvalho, foi um dos raros testemunhos em anos recentes que, entre nós, procurou um confronto honesto com esse exercício interminável de indignação, nostalgia e ignorância que tomou conta das formas de resistência numa época em que o catálogo dos heroísmos ao dispor nunca foi tão inclusivo nem mais inofensivo. Foi para se pensar uma nova arte da guerra, através do encontro com o outro, expresso numa forma de oposição e antagonismo, mas também em sinal de respeito e com capacidade de transigência que fomos falar com este activista relutante.
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    2:36:12

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About Enterrados no Jardim

Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho à conversa, leve ou mais pesarosamente, fundidos na bruma da época, dançando com fantasmas e aparições no nevoeiro sem fim que nos cerca, tentando caçar essas ideias brilhantes que cintilam no escuro, ou descobrir a origem do odor a cadáver adiado, aquela tensão que subtilmente conduz ao silêncio, a censura que persiste neste ambiente que, afinal, continua a sua experiência para instilar em nós o medo puro. Vamos desenterrar, perfumar e puxar para o baile os nossos amigos enterrados no jardim, e deixar as covas abertas para empurrar lá para dentro aqueles que só aí andam a causar pavor e fazer da vida uma austera, apagada e vil tristeza.
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